sexta-feira, 3 de julho de 2009

Fechando com chave de ouro

Agra - Taj Mahal

Depois de inúmeras tentativas frustradas de chegar ao Taj Mahal, seja pelos compromissos ou pela falta de sorte, consegui visitar o famoso monumento que é também conhecido como o símbolo do amor: o Taj Mahal.

Chegar ali não foi fácil. Logo no começo do dia, quando estava a caminho, alguns imprevistos começaram a me fazer desistir de tentar ir até lá, mas, decidido, assumi os riscos e fui sem pensar muito.

Situado na cidade de Agra a, aproximadamente, 200 km de Nova Déli, o Taj Mahal é um mausoléu criado por um imperador em memória a sua falecida esposa após lhe ter dado 14 filhos. Foram trazidos mais de 20 mil homens de todos os lugares do mundo para iniciar uma das obras mais simétricas que existe. Relatos dizem que esses mesmos operários tiveram suas mãos cortadas pelo imperador afim de não ter sua obra copiada. Pedras preciosas, fios de ouro e passagens do Corão compõem a beleza dessa obra toda feita em mármore branco.

A beleza do lugar é estonteante e, mesmo cansado, não conseguia parar de andar e fotografar aquilo de tudo quanto é lugar.

Desta vez, vou escrever pouco e deixar que as imagens falem por si mesmas.






Mathura - A Casa de Krishna

Tão (ou mais) especial que ter conhecido o Taj Mahal, foi ter a sorte de ter incluído mais uma cidade no meu roteiro de viagem; a cidade sagrada de Mathura.



A apenas 50 km de Agra, é uma cidade recheada de templos. É conhecida, principalmente, por ter sido ali onde Krishna nasceu e, é claro, que eu não iria perder a oportunidade de conhecer.


Assim que entrei na cidade encontrei um lugar meio deserto, onde os poucos pedestres que circulavam eram, em sua maioria, espécies de "andarilhos" que vivem em busca da iluminação, algo comum na Índia.



Alguns guias se aproximaram de mim logo que me viram. Não tenho paciência para eles, mas iria precisar de um, pelo menos, para me levar até a casa onde Krishna nasceu rapidamente. Eu quase não tinha tempo, estava tudo meio cronometrado.



De acordo com a tradição hindu, Krishna é a oitava encarnação de Vixnu (responsável pela manutenção do universo). É considerado um ser supremo e sua devoção vem aumentando pelo mundo com o movimento Rare Krishna, a partir do momento que as escrituras védicas foram sendo traduzidas para o inglês.

A casa onde nasceu é mantida através de doações e, dependendo da grana que vc desembolsa, é possível deixar seu nome e de familiares escrito nas paredes para reza.

(obs: atrás dessas cortinas se encontram imagens de Krishna, mas não podem ser fotografadas)

Acho que nem preciso dizer o quão feliz me sinto por toda essa experiência, né?!

terça-feira, 23 de junho de 2009

A Índia, as monções e o aquecimento global

E lá se vão os dias ensolarados, as cuecas penduradas no varal secando em segundos, a claridade do sol forte invadindo as cortinas pela manhã me acordando num horário indesejado... Chegaram as benditas e malditas monções, trazendo brisa e baixando a poeira, mas também caos, destruição e mortes.

Para tentar simplificar, monções é o nome dado aos ventos periódicos vindos do Oceano Índico quando a umidade de suas águas atingem as regiões montanhosas ao norte da Índia numa temperatura diferente. Significa o fim do período de seca e início de chuvas torrenciais que tendem a durar até setembro.

Bem quista pela área rural indiana onde as águas das chuvas representam a principal atividade econômica da região (o plantio de arroz), as monções são motivos de pânico para a maioria da população de Mumbai, uma das cidades mais populosas do mundo e onde metade de sua população vive em barracos.

Em 2005, as chuvas mataram, aproximadamente, 900 pessoas; em 2008, em torno de 800, vítimas de afogamentos, deslizamentos, desmoronamentos e eletrocução. Sem contar nos milhões de pessoas desabrigadas.

Essas chuvas mostram bem a precariedade da infra-estrutura de Mumbai, que não suportou o crescimento exacerbado de sua população aliada à sujeira encontrada por todos os cantos da principal cidade indiana.

Já estávamos todos nos questionando onde estavam as chuvas, tendo em vista que costumam aparecer entre final de junho e início de julho. A falta delas representa uma grande perda para o setor agrícola que apenas pode contar com suas águas durante esse período (entre junho e setembro).

Por estarmos no final de julho e não termos visto nenhuma gota cair, até então, um assunto foi colocado em pauta novamente: o aquecimento global.

Estudos mostram que à medida que o aquecimento global aumenta, o período de monções se intensifica, sendo mais trágico que o comum. Ambientalistas afirmam que, com as mudanças climáticas, a Índia há de se tornar mais vulnerável aos desastres ainda.

De acordo com outros cientistas, a mudança do sistema vem contribuindo decisivamente para o aumento na quantidade e na violência das enchentes que atingem o país em determinadas épocas do ano.

Se além de capas e guarda-chuvas não nos conscientizarmos, não restará muita opção além de ver o caos diante dos nossos olhos. Isso porque insistimos em pensar que não podemos fazer nada ou que agora é tarde. Enquanto isso, a natureza se revolta pintando o céu azul de cinza escuro repentinamente e transformando a brisa suave em furiosas tempestades destruidoras. Mas, nós, homens, que corremos o risco de perder nossos bens e, até mesmo, nossas vidas, só não perdemos nossa inação diante de um problema tão grave como esse.


(vista de casa, no meio da tarde)

terça-feira, 26 de maio de 2009

Seis meses depois...

Há exatos seis meses atrás, lembro-me do anúncio do comandante do meu vôo dizendo que já havíamos chegado em Mumbai, mas teríamos que ficar sobrevoando a cidade por alguns minutos até que o tráfego aéreo descongestionasse. Detalhe: eram duas da manhã de uma quarta-feira comum. Aquela ansiedade de não saber o que esperava por mim lá embaixo já me tomava conta por completo.

Como se fosse ontem, me recordo do aeroporto em reforma, a movimentação das mulheres vestidas em seus coloridos sáris e cheias de penduricalhos pelo corpo, dos muçulmanos barbudos em suas túnicas e até mesmo das crianças vestidas com calças e camisas sociais e chinelos. Sem me esquecer dos cabelos lambidos para trás ou divididos ao meio.

As ruas, em plena madrugada, estavam "vazias", apenas ocupadas pelos "autorickshaws" (os tradicionais riquixás) e pela infinidade de desabrigados que habitam as ruas de Mumbai. Poluição, ratos pra lá e pra cá, sujeira por todos os lados; parecia que a cidade estava abandonada ou que acabara de enfrentar uma guerra.

Ah, guerra! Cheguei bem no dia em que terroristas saíram metralhando as pessoas a esmo e invadiram hotéis de luxo, restaurante, templos, estação de trem... Quase duzentas pessoas foram assassinadas. Vivi o toque de recolher durante uns cinco dias apenas trancado dentro de casa, assim que cheguei, sem mal poder sair na rua pra comprar comida, afinal, era gringo, possível alvo daquele bando de loucos que estava à solta na cidade. Eu tinha acabado de enfrentar, aproximadamente, 30 horas de viagem, dormindo mal, lutando contra o fuso e não conseguia fechar os olhos para acompanhar o desenrolar dos fatos pelos telejornais locais. Fiquei apreensivo, com medo, com raiva. Que mundo novo era esse onde eu acabara de desembarcar?

Passado o susto, dei meus primeiros rolés pela cidade passando por barricadas montadas nas ruas de maneira improvisada, onde guardas apontavam seus fuzis já com o dedo no gatilho. Sim, estávamos em guerra!

Um tempo depois, não entendia se as ruas eram de terra em processo de recapeamento ou se eram asfaltadas em péssimas condições de uso, tamanha sua precariedade. Senti o cheiro dos incensos acesos como oferenda para seus deuses misturado com o odor de esgoto devido ao sistema (ou melhor, falta) de saneamento local. Tudo muito novo e contraditório para mim!

Assustei-me com o trânsito que mais me parecia um jogo de quebra-cabeças onde as ruas seria o tabuleiro e os transeuntes, carros, riquixás, motocicletas e animais sagrados, as peças. Aliás, se chegar aqui, é melhor se preparar para os congestionamentos caóticos onde as buzinas parecem mantras nas mãos dos indianos. E tente não se espantar se descobrir que aquele trânsito todo que te faz perder horas do seu dia parado dentro de um taxi quente, apertado e sem ar condicionado, foi por causa de uma vaca que decidiu tirar um cochilo no meio da rua, interrompendo a passagem de todos! Era muito para minha cabeça aceitar aquilo tudo.

Hipnotizado com tudo que via à minha volta, mas encantado ao mesmo tempo, assisti ao pôr-do-sol na praia que fica a dez minutos do meu apartamento. Ali, naquele momento, percebi que estava num lugar especial e me senti abençoado pela oportunidade. Quisera eu poder me banhar naquele mar se não fosse tão sujo!

Conheci Nova Déli, cidade que me levou para lugares incríveis, onde jamais imaginei pisar. Portais, templos, museus, minaretes,... e também me pareceu uma cidade mais limpa e (pouco) mais organizada, apesar da quantidade incrível de vacas e búfalos soltos pelas ruas. Ah, mas não menos barulhenta.

Choro de rir quando me lembro de um macaco aparecendo na janela da nossa cozinha enquanto cozinhávamos, quase nos matando de susto. Depois, até alimentamentos o bixano com bananas. Senti-me numa selva.

Por falar em cozinha, a comida daqui me fez queimar os olhos de tão apimentada, sem falar na forma como é manuseada, sem nenhuma higiene. A neurose na hora de cozinhar, em deixar tudo limpo, bem lavado e cozido é uma lei para aqueles que não querem ser vítimas de possíveis "desarranjos intestinais" num dos lugares mais sujos e poluído do mundo. Enquanto estava fora de casa, aprendi a comer rezando enquanto digeria aquela comida feita "sabe-se lá como" para não passar mal.

Falando em reza, a religiosidade desse lugar é impressionante. Não dá para entender como conseguem tocar suas vidas adiante com tanta fé que têm sendo tão judiados pela miséria como são. Apesar de todas as adversidades, se ajoelham diante de imagens sagradas (que estão em todos os lugares), acendem seus incensos e fazem oferendas fielmente, diariamente, incondicionalmente. É um verdadeiro aprendizado para os que reclamam de "barriga cheia".

Cheguei a Goa, berço da música eletrônica - psy e goatrance - de trem, depois de 14 horas viajando em condições, no mínimo, questionáveis. Lá, passei o melhor reveillon da minha vida, em paz, comendo e bebendo do bom e do melhor, agradecendo por cada momento que estava vivendo ali.

Claro que, em alguns momentos, eu me canso disso tudo, penso em voltar embora ou sair novamente pelo mundo afora. Aqui, num lugar tão diferente de todos os lugares que já passei em anos viajando, com uma cultura tão distante da minha, é comum ter o meu limite alcançado em algum momento. Mas acho que as coisas que já vi e vivi aqui já devem ter me acrescentado algo "diferente" na minha bagagem pessoal e vivo refletindo o que acho que mudou em mim nessa fase pós-Índia. Não, não estou falando da pimenta que hoje adiciono nas minhas refeições - um hábito que eu não tinha antes, mas de algo que vai além dos olhares comuns e ... talvez, seja difícil de explicar.

Mas, hoje, seis meses depois da minha chegada em terras indianas, me retiro de Mumbai rumo à Goa para uns dias de descanso e reflexão. Não estou me preocupando onde vou dormir, nem quem vai, muito menos quantos dias irei ficar. Apenas vou! E, sentado à beira-mar com a minha cerveja gelada fielmente ao meu lado, assistindo ao pôr-do-sol e admirando a imensidão do mar em uma praia deserta, espero encontrar as respostas que procuro, principalmente, se voltarei para Mumbai decidido a encarar novamente essa realidade ou se será a hora de partir.

Aos que ficam, que se mantenham bem, em paz, saudáveis e em segurança. E até a volta ;)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Felicidades

Ao mais novo casal de pombinhos que se casará amanhã, felicidades.

Diretamente da rua onde moro, Yari Road, Andheri, Versova, Mumbai - Índia, meus votos de saúde, conquistas, sucesso e muitas felicidades.






Só eu sei o quanto desejaria estar aí, cercado de amigos, presenciando uma festa incrível. Mas, mesmo que eu não esteja presente, sintam-se "vistos" e aplaudidos por mim.

Tudo de bom pra vocês, Si e Dri.

Bjssssss.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Voltando....de trem!

É, desculpem-me aqueles que entraram aqui nesses últimos dias e não encontraram nenhuma atualização.

Como qualquer outra pessoa do mundo, às vezes, também sofro de falta de inspiração. "Mas, como? Afinal, ele está na Índia, deve ter tanta coisa diferente pra falar e bla bla bla...". É, depois de quase seis meses, quando não estamos passando por um momento, digamos, "propício" aos nossos objetivos, até as coisas mais interessantes passam despercebidas e outras, que me fascinavam, até então, se tornam chatas, maçantes, sem-graça e repetitivas (para não citar outros adjetivos inferiores).

E como isso é um círculo vicioso, que nos puxa cada vez mais para baixo (ou para cima, se quisermos), vou tentar me empenhar mais a continuar escrevendo para esse blog. Espero que continuem acessando, lendo e comentando sempre que possível ;)

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Cada dia que passa, se aproxima mais e mais a minha hora de ir embora da Índia. "Quando"? Não sei. "Para onde?" Menos ainda! Mas o que a gente sente é inevitável.

E, assim sendo, vai chegando aquela hora de experimentar mais as coisas, explorar novos lugares, novas experiências... e foi exatamente nesse clima de despedida (ainda não a minha, mas de uns amigos) que optamos por visitar o centro turístico novamente de uma forma mais "roots"; de trem.



Para fazer uma viagem dessas do subúrbio onde moro até o centro tem seu preço: de graça, literalmente, ou muuuuuuuuuito barato. Explico: assim que adentrar a estação, irá enfrentar a enorme fila da bilheteria. O preço é baratíssimo, mas, mesmo assim, muitos optam por não pagar. Isso porque não existem roletas, nem cobradores. Há apenas um fiscal que recolhe os "tickets" da primeira classe, principalmente, de vez em quando. Se alguma vez for pego por eles sem seu bilhete, vai desembolsar uma multa salgada, especialmente, para os indianos de baixa renda. Há também vagões separados para homens e mulheres; elas podem entrar no vagão masculino se quiserem (se tiverem dispostas a serem olhadas o tempo inteiro e levar uns "apertos 'sem-querer'" devido a alguma "mão boba" perdida entre tanta gente - como aconteceu com minha amiga); já eles não podem entrar num vagão feminino sob nenhuma circunstância.



Logo que o trem chega, as pessoas se empurram para dentro mesmo com o trem em movimento, mesmo porque este quase não para. As portas não se fecham nem durante as viagens e o "feeling" é andar pendurado (às vezes, literalmente) sentindo o vento na cara.



Acho que muitos optam por isso porque o interior dos trens é, insuportavelmente, cheio. Preciso falar que é quente e mal cheiroso também ou é subentendido? Tá, é quente demaaaaaaais e fede pra car*#!@&^%$#, ok? Ah, essas sensações triplicam quando chega a hora de pico.



De táxi, eu levaria, aproximadamente, duas horas para chegar lá; de trem, não me tomou mais que 40 minutos.

Apesar do aperto, vale pela experiência, pela rapidez e pela oportunidade de vivenciar um pouco mais a rotina de milhões de indianos que enfrentam essa precariedade nos tranportes públicos diariamente.

Portanto, quando decidir dar um rolé de trem em Mumbai, primeiro, certifique-se de que não é claustrofóbico; depois, prenda a respiração, segure-se firme próximo à porta aberta e .... boa viagem!

domingo, 19 de abril de 2009

A Índia, as castas e a exclusão mascarada

Morar num país diferente do seu, especialmente, asiático, significa tentar aceitar as diferenças e "engolir a seco" outras. Aqui na Índia, um país de cultura milenar e um tanto exótica para um ocidental comum, não seria diferente.

Já morei em vários países da Ásia, mas nada me chamou tanto a atenção como a Índia. Não, desta vez eu não vou falar de sujeira, trânsito, bagunça, corvos, mau-cheiro, religião,... ops, o que eu tenho a dizer hoje envolve religião, mais especificamente, o hinduísmo.

Mais de 80% da população indiana é hindu, uma religião politeísta (representada por vários deuses) e uma das mais antigas do mundo. Seu livro sagrado é conhecido como Vedas.

No hinduísmo, cada indivíduo que nasce pertence a uma casta. Existem mais de 3.000 subdivisões, mas as mais reconhecidas são quatro: os brâmanes, xátrias, vaixias e sudras. Essas principais castas se originaram do corpo do deus Brahmin (Brahma), sendo a boca representando os brâmanes (sacerdotes, filósofos, professores,...); os braços representando os xátrias (administradores, governantes, militares,...); o estômago representando os vaixias (comerciantes, pastores, agricultores,...) e os pés representando os sudras (artesãos, camponeses, trabalhadores braçais,...). Abaixo dos pés de Brahma está a sujeira, ou seja, os "sem-casta", também conhecidos como dalits e/ou intocáveis.

Desde a minha chegada aqui na Índia, me deparo com situações constrangedoras de pessoas sendo maltratadas e desrespeitadas por outras. Achei que fosse um problema de "berço", mas só depois compreendi que é também um problema religioso.

Apesar da Constituição Indiana rechaçar qualquer ato discriminatório, os costumes falam mais alto. Pertencer a uma casta superior "lhe dá o direito" de ser grosso, estúpido e desrespeitar qualquer um que se localize "abaixo" de você.

Como exemplos não me faltam, vou relatar um (de váaarios) que presenciei: num dia comum de trabalho, o fotógrafo contava com dois assistentes. Desde o início, eles eram xingados e escorraçados na frente de todos, como se nada que fizessem fosse correto. Depois de horas trabalhando debaixo de sol, fizemos uma pausa para o almoço e nos dirigimos para um restaurante local. Fomos todos, exceto os dois assistentes que deveriam permanecer ali, no sol, longe de qualquer sombra, tomando conta dos equipamentos que seriam deixados ali. Ao retornarmos (pouco mais de uma hora depois), os dois estavam ali, intactos, prontos para recomeçar o trabalho. Algum tempo depois, um outro homem perguntou ao fotógrafo se seus assistentes haviam almoçado ou comido alguma coisa, pelo menos. Para o meu espanto, revolta e indignação, ele respondeu: "Não, eles não precisam comer"; e caíram na gargalhada. Eu não sei o que me conteve, tamanha era minha raiva e vontade de destruir a cara daquele infeliz. Desse dia em diante, nenhuma pessoa seria maltratada na minha frente por esse motivo estúpido de pertencer a essa ou aquela casta!

Ainda pegando o exemplo acima, digamos que esses dois assistentes sejam "abençoados" pela oportunidade que têm de trabalhar, porque se fossem um dalit, suas situações seriam bem piores. Oras, se nem a água potável eles têm direito, quiçá a um trabalho como assistente de fotógrafo!

Os "sem-casta" hoje somam mais 300 milhões em toda a Índia. Não têm direito a nada: terra, casa própria, direitos humanos, emprego decente,... nem água potável. Em Mumbai, ocupam as calçadas e as favelas. Vivem de esmolas ou com os poucos trocados que ganham em troca de trabalhos humilhantes. Um exemplo de um trabalho comum exercido por um "sem-casta" é limpar as ruas que funcionam como banheiro público onde as pessoas defecam a céu aberto (um hábito normal entre eles). Antigamente, eles eram obrigados a usar "sininhos" no corpo para anunciar que estavam se aproximando e para as pessoas se afastarem. São evitados, pois nem suas sombras podem ser pisadas, caso contrário, quem pisar se torna impuro, segundo suas tradições. Aliás, o termo dalit significa "pisado, quebrado, oprimido" (e assim o são, literalmente).

Eles não têm acesso a templos e suas crianças são expulsas constantemente das salas de aula. Quando não, ficam com os piores lugares ou são obrigadas a assistir as aulas de costas. São considerados sub-humanos pela população e até por eles mesmos (pasmem!!!!), afinal, acreditam ser esse o seu carma (karma) - se faz o bem, recebe o bem; se faz o mal, recebe o mal. Esse é o princípio de karma, a lei da ação e reação. Acreditam que se nasceram dalits é porque fizeram por merecer em vidas passadas e caso se revoltem com a maneira como são tratados, nascerão "intocáveis" novamente na próxima vida. Ou seja, devem se submeter e acatar.

Solução? Nenhuma. Alguns se convertem ao Islamismo ou ao Cristianismo para, pelo menos, se enxergarem como pessoas comuns e dignas de uma vida mais respeitada. Mas isso não significa que terão mais oportunidades de trabalho ou melhores condições de vida, afinal, cada indivíduo que pertence a uma casta não pode migrar para outra e se assim o fizer, será expulso de sua casta e se tornará um "intocável" por gerações e gerações. Ah, não apenas a pessoa, mas toda sua família.

Cruel? Injusto? Espere só para ler o que diz o Vedas, o tal livro "sagrado":

"O homem que nasce alto se torna baixo pelas suas baixas associações, mas o que nasce baixo não se torna alto por meio de altas associações".


Durante várias vezes, me perguntei se a Índia estava parada no tempo. Isso porque apesar de ser uma das economias que mais cresce nos últimos anos e hoje a menos afetada pela recessão mundial, de desenvolver tecnologias e softwares para o mundo todo e ter o maior número de PHD's em informática depois dos EUA, eu ficava surpreso com a precariedade do transporte público, entre outras coisas que já citei nesse blog. Agora, depois de saber um pouquinho mais sobre esse sistema de exclusão, dessa espécie de apartheid mascarado, tenho certeza que a Índia caminha a passos vagarosos rumo ao futuro, a considerar o sistema de castas como base da sociedade indiana.

Meus pêsames!

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Um rolé de ferry

Uma das coisas que mais gosto é vivenciar novas experiências, certo? Por isso mesmo, ao ir para o trabalho de ontem, resolvi optar por um caminho diferente: de ferry.

Para quem não sabe, ferry é uma espécie de barco/balsa utilizado para pequenas viagens e/ou travessias de uma margem à outra de um rio/mar.

Eu já tinha conhecimento dessa balsa há um tempo atrás, pois Mário, meu ex acompanhante de quarto, já havia me mostrado algumas fotos do lugar, o que me deixou bem curioso para conhecer. Mas eu apenas esperei por um momento mais oportuno, já que eu não queria usá-lo à toa (apesar do preço quase gratuito; 2 rúpias - $0.40)

Bom, o lugar é horrível e nojento, para resumir. O acesso é feito através de umas vielas da favela até chegar onde se encontram o ferry e pequenas outras embarcações de pesca. O cheiro de "podre" dos peixes postos para secar debaixo do sol (em meio a entulhos) é tão forte que leva alguns poucos locais a usarem lenços para cobrir o nariz.



Imaginar uma gota daquele mar preto, fedido e cheio de lixo caindo em mim foi suficiente para me "embrulhar" o estômago, mas eu me "tranquilizei" (MENTIRA!!) ao ver uns indianos nadando entre um ou outro saco de lixo.

Depois de quase me arrepender e dar meia volta, resolvi encarar a aventura, literalmente. Primeiro, porque para subir na embarcação é colocada apenas uma tábua estreita e moleguenta, sem apoio algum ou segurança; segundo, porque aquilo mais parecia uma jangada "véia" do que qualquer outra coisa!


Depois de me equilibrar na tábua (rezando) e subir no ferry, vi uma criança quase cair na água, afinal, mesmo com gente ainda subindo, o barco já começara a navegar. Aliás, essa é a característica principal dos meios de transporte daqui. Pelo menos, tudo que experimentei e/ou vi, como ônibus, trem e ferry, percebi que as pessoas precisam "se virar" pra subir neles ainda em movimento.



A travessia é rápida, perto de 5 minutos, mas apenas em solo firme é possível se sentir seguro. Pra sair, enquanto uns pulam, outros sobem, deixando o que já é confuso ainda mais.



São, salvo, seco e em terra firme, segui meu caminho pro trabalho feliz, apenas refletindo na vida sofrida dos que dependem desses transportes públicos completamente precários.