terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Colaba

Finalmente, fui apresentado à parte nobre da cidade. Depois de um mês e meio em Mumbai, nem uma ressaca e poucas horas de sono foram capazes de me impedir de conhecer o outro lado da metrópole.

Vale lembrar que moro em Andheri, subúrbio localizado no extremo norte de Mumbai. Para chegar em Colaba, é preciso enfrentar, aproximadamente, duas horas de trânsito sem congestionamento (algo bem improvável de acontecer). Como os "autorickshaws" (os tradicionais triciclos) não circulam naquela parte da cidade, foi preciso parar no bairro de Bandra para pegar um taxi (metade do caminho fomos de triciclo para economizar um pouco de grana e outra metade de taxi). Ah, os taxis são minúsculos, antigos e (pior) sem ar condicionado, ou seja, como os dias são insuportavelmente quentes diariamente, prepare-se para suar parado nos inúmeros congestionamentos que cercam a cidade.

É interessante ver como Mumbai se transforma à medida que se aproxima de Colaba. Assim que você chega à Marine Drive, a sensação é de estar num lugar completamente diferente da cidade que estou acostumado a ver. Não é pra menos. As ruas são menos lotadas, mais limpas e a pobreza parece ficar mais, digamos, "escondida" aos olhos comuns. É nessa avenida onde fica os prédios e hotéis mais luxuosos e onde o m2 é o mais caro da cidade. Inclusive, é no final dela, numa região chamada de Nariman Point, que fica o Oberoi Hotel, vítima dos últimos ataques terroristas que aconteceram aqui. Aliás, por falar em terrorismo, a minha idéia era percorrer os lugares que foram atentados.

A primeira parada foi no Taj Mahal Hotel, um dos mais luxuosos do mundo. Inaugurado em 1903, é conhecido pela sua arquitetura e pelas celebridades (artistas, presidentes, empresários, etc.) que se hospedam lá. Infelizmente, ganhou mais notoriedade mundialmente após dezenas de hóspedes terem ficado reféns de terroristas em novembro passado. Do lado de fora ainda é possível ver marcas de fogo e algumas janelas a serem consertadas. Apenas uma parte dele foi reaberto.



Achei incrível a quantidade de turistas que se concentram nas calçadas do Hotel para fotografar. Dali também é possível conferir o forte esquema de segurança que o cerca, como homens armados de fuzis atrás de barricadas, inspeção de carros e esteiras raios X para bagagens, além de portas detectoras de metais.


A grande concentração de pessoas também se dá pelo fato do Hotel ser bem à frente do India Gateway de Mumbai (Portal da Índia). Pena que fui enquanto o monumento estava em reforma, mas deu para ter uma idéia de como é. Tem 26 metros de altura e foi construído para dar boas vindas aos que chegavam por mar, antigamente.


Para o passeio ficar completo só faltava conhecer o Leopold Cafe, um dos mais tradicionais e conhecidos de Mumbai. O bar, inaugurado em 1871, arrasta clientes, especialmente, turistas e estrangeiros que passam pela região. É impressionante a quantidade de furos de balas nas paredes e pilastras do estabelecimento. Inúmeros clientes fotografam o tempo todo.






A sensação de estar num lugar como aquele, após os ataques, é estranha. Assumo que fiquei meio incomodado no início, não muito à vontade. Na verdade, até meu apetite sumiu quando entrei lá e pedi apenas um prato de salada para o almoço (quem me conhece sabe que um prato desses não satisfaz meu apetite), mas depois de meia hora, relaxei e aproveitei a variedade do cardápio. Aliás, que menu a preço acessível! Pude confirmar minha opinião ao ver (e enfrentar) as filas que se formam para entrar no bar. Ah, e quanto a segurança, vi câmeras de vídeo em toda a parte (não sei se era assim antes) e uns dois homens armados na porta.


Para fechar o passeio e retornar feliz à "favela" (hahahaha), só faltava percorrer a rua do bar onde funciona uma feira de produtos indianos a um preço tentador àqueles que são bons de pechincha (meu caso, "turquinho" e pão duro de carteirinha).

Achei produtivo ter conhecido esse outro lado de Mumbai, que só conhecia pelos comentários dos outros, internet e televisão. Pude testemunhar, finalmente, que a cidade apresenta contrastes já que, até então, só havia conhecido a miséria e a pobreza desse lugar.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Anjuna, Goa - Índia

Éramos seis. Juntamos nossas economias com mais uns trocados, enchemos as mochilas, pegamos uns colchões para dormir e partimos para a estação de trem CST (Chattrapati Shivaji Terminus). Sim, a estação é a mesma que mais sofreu baixas durante os últimos ataques terroristas aqui em Mumbai.

Insuportavelmente lotada e proporcionalmente mal estruturada, a estação hoje apresenta portas detectores de metais desligadas, algumas barricadas com poucos soldados armados com fuzis (aparentemente, antigos) e outros guardas sentados com seus bambus (cassetetes) a tiracolo. Ou seja, aproximadamente, há um mês dos atentados terroristas, a estação funciona como se nada tivesse acontecido ou como se não fosse um alvo fácil de futuros ataques já que é possível trafegar com armas, bombas, drogas e demais ilegalidades por ali normalmente sem que ninguém te aborde.



O mal cheiro predomina em toda a estação, especialmente, próximo aos trilhos. Ali, por sinal, é impressionante a enorme quantidade de ratazanas que se alimentam dos dejetos jogados fora dos vagões.

Não posso deixar de contar sobre o nosso "baque" ao ver o trem onde viajaríamos durante 12 horas seguidas. Antigo, sujo, mal cheiroso (que novidade!) e precário, os vagões são divididos por classes, cada um dividido pela quantia paga por cada viajante. Pagamos, digamos assim, pela terceira classe. Em cada compartimento (aberto) fica um amontoado de oito camas (estilo beliche) e o banheiro é uma abertura no piso do trem que vai diretamente para os trilhos (talvez explique o mal cheiro das estações, se levar em consideração que a maioria das pessoas preferem fazer suas necessidades com o trem parado sem os solavancos).


(O trem pela manhã; menos lotado, já transitável)

Assim que você se "acomodar", irá receber um lençol amarelado, um travesseiro pequeno e um cobertor vermelho que mancha suas roupas caso decida usá-los (meu caso). Mas eu não tive opção, já que fiquei no andar de cima da cama congelando e respirando o ar condicionado que tinha a saída de ar a poucos centímetros de nossas cabeças. Ah, esqueci de falar: se for claustrofóbico, nem pense em entrar num trem na Índia.

Tínhamos 12 horas de viagem mais o tradicional atraso indiano pela frente. Só nos restou comer alguns sanduíches e frutas que levamos (a não ser que opte pelas marmitas servidas pelos ambulantes, algo que eu não recomendaria) e ouvir nossos tocadores de mp3 até pegarmos no sono. E assim foi feito. Os meus companheiros de viagem que acordaram pela manhã até disseram que a paisagem lá fora era linda, mas eu só acordei pouco antes de chegar.

Desembarcamos na estação errada 14 horas depois da nossa partida. Isso porque deveríamos ter perguntado antes qual a estação ficaria mais próxima da praia onde íamos ficar. Após pegarmos um táxi e viajarmos mais uma hora e meia, chegamos em Anjuna.

Eu já tinha uma pequena idéia do que veria pela frente devido a uma pesquisa que fiz pela internet sobre o lugar que iria visitar. O que eu não sabia era que a energia que você sente, assim que coloca os pés na areia, é incrível.



Havíamos alugado um chalé a, no máximo, cinco minutos andando da praia (para não falar que era de frente para o mar), logo atrás de um restaurante/balada que serviria nossas futuras refeições nos próximos dias. Esse local, Curlies, é o point de Anjuna.



Esqueçam os corpos sarados e bronzeados. Cabelos rastafari, dreadlocks, tatuagens e piercings compõem o visual dos branquelos vindos do mundo todo, especialmente, da Europa, para curtir a praia, a música eletrônica e suas respectivas maluquices. Vale lembrar que ainda estamos falando de um lugar da Índia, país de uma cultura um tanto "diferente", abrigar mulheres fazendo topless e homens de tanguinha fio dental.



Goa, para quem não sabe, é o berço de um estilo de música eletrônica, denominado psytrance ou goatrance. Tem uma batida mais rápida que a tradicional e geralmente é tocada nas polêmicas "raves". O lugar já foi considerado o paraíso dos hippies na década de 80 quando mochileiros e demais viajantes desenvolveram de forma intuitiva o estilo musical que hoje ferve as pistas de dança no mundo todo. Ah, devido a sua colonização portuguesa, é possível encontrar placas sinalizadas em português. Há quem diga que ainda existam famílias que falem a língua.

Devido a esse "detalhe", é impossível estar na praia sem escutar tal música. Admito que não sou fã do estilo musical, mas confesso que é impossível manter pernas, braços e demais partes do seu corpo parados enquanto tocam as músicas da manhã até a noite.


Anjuna, como disse, é o lugar dos "bichos grilos" e os que não se esticam nas areias da praia preferem a sombra do Curlies, que tem um andar especial, tipo lounge, com almofadas, tapetes e mesa baixa para tomar uma "birita" e/ou comer suas deliciosas refeições a preços camarada aprenciando o pôr-do-sol.



Tínhamos vários planos; alugar umas motos pra conhecer as outras praias era um deles, mas estávamos tão bem acomodados, satisfeitos e preguiçosos onde estávamos que mal nos movemos de Anjuna, exceto numa tarde quando resolvemos conhecer a praia ao lado da nossa. A nossa primeira tentativa foi via montanha, mas eu acabei abortando a missão antes que meus pés ficassem mais destruídos do que já estavam (perdi meus chinelos dias antes de ir pra lá). Mas o visual ali de cima é compensador. Num outro dia, seguimos pelas pedras com a maré baixa e chegamos tranquilamente em Calangute, mais frequentada, larga, extensa e cheia de atrações aquáticas.


Assim como em muitos lugares asiáticos, a Índia sofre com a vida noturna. Isso porque a maioria dos estabelecimentos é forçada a cortar o som perto da meia noite. Oras, estávamos, praticamente, numa praia deserta. A quem poderíamos tanto incomodar num lugar que apenas cresce com o turismo tendo o maior PIB per capta do país? Respostas à parte, cada um se divertia de um jeito quando a música parava.

A grande expectativa era, obviamente, a noite da virada. Todos estavam ansiosos para saber até que horas a música iria tocar, até que foi anunciado que o som rolaria até às 7 da manhã.

Na grande noite, a praia estava tomada pela multidão que fazia a contagem regressiva. E, quando chegou a hora, lindos e demorados fogos de artifícios explodiram no céu de Anjuna. As luzes dos foguetórios lançados por muitos bares podiam ser vistos ao longo a praia.


(Os fogos)


O dia amanheceu, a música parou quase que em seguida, mas nada da multidão deixar a praia. Ninguém viu brigas, discussões e nem nenhum outro tipo de estresse.

Já ia me esquecendo de falar sobre o Flea Market. Essa é uma das feiras mais tradicionais da Índia e acontece às quartas em Anjuna. É de uma extensão notória e ali é possível provar a enorme quantidade de estrangeiros que frequentam Goa. Todos os tipos de artigos típicos da Índia são encontrados ali, como artesanato, quinquilharias e cacarecos.



Seis dias depois, com a pele pouco mais avermelhada, alguns quilos (litros) a mais no corpo e um sorriso mais feliz no rosto, iniciei minha volta imaginando o desconforto do trem, as horas que demorariam a passar ali dentro e o paraíso que estava deixando pra trás. Depois de quase quatro horas de atraso do trem mais as 12 de viagem, percebi que tinha acordado de um sonho e que estava voltando à minha realidade. Aqui estou e espero que a virada de vocês tenha sido tão linda quanto a minha. Feliz 2009!