domingo, 19 de abril de 2009

A Índia, as castas e a exclusão mascarada

Morar num país diferente do seu, especialmente, asiático, significa tentar aceitar as diferenças e "engolir a seco" outras. Aqui na Índia, um país de cultura milenar e um tanto exótica para um ocidental comum, não seria diferente.

Já morei em vários países da Ásia, mas nada me chamou tanto a atenção como a Índia. Não, desta vez eu não vou falar de sujeira, trânsito, bagunça, corvos, mau-cheiro, religião,... ops, o que eu tenho a dizer hoje envolve religião, mais especificamente, o hinduísmo.

Mais de 80% da população indiana é hindu, uma religião politeísta (representada por vários deuses) e uma das mais antigas do mundo. Seu livro sagrado é conhecido como Vedas.

No hinduísmo, cada indivíduo que nasce pertence a uma casta. Existem mais de 3.000 subdivisões, mas as mais reconhecidas são quatro: os brâmanes, xátrias, vaixias e sudras. Essas principais castas se originaram do corpo do deus Brahmin (Brahma), sendo a boca representando os brâmanes (sacerdotes, filósofos, professores,...); os braços representando os xátrias (administradores, governantes, militares,...); o estômago representando os vaixias (comerciantes, pastores, agricultores,...) e os pés representando os sudras (artesãos, camponeses, trabalhadores braçais,...). Abaixo dos pés de Brahma está a sujeira, ou seja, os "sem-casta", também conhecidos como dalits e/ou intocáveis.

Desde a minha chegada aqui na Índia, me deparo com situações constrangedoras de pessoas sendo maltratadas e desrespeitadas por outras. Achei que fosse um problema de "berço", mas só depois compreendi que é também um problema religioso.

Apesar da Constituição Indiana rechaçar qualquer ato discriminatório, os costumes falam mais alto. Pertencer a uma casta superior "lhe dá o direito" de ser grosso, estúpido e desrespeitar qualquer um que se localize "abaixo" de você.

Como exemplos não me faltam, vou relatar um (de váaarios) que presenciei: num dia comum de trabalho, o fotógrafo contava com dois assistentes. Desde o início, eles eram xingados e escorraçados na frente de todos, como se nada que fizessem fosse correto. Depois de horas trabalhando debaixo de sol, fizemos uma pausa para o almoço e nos dirigimos para um restaurante local. Fomos todos, exceto os dois assistentes que deveriam permanecer ali, no sol, longe de qualquer sombra, tomando conta dos equipamentos que seriam deixados ali. Ao retornarmos (pouco mais de uma hora depois), os dois estavam ali, intactos, prontos para recomeçar o trabalho. Algum tempo depois, um outro homem perguntou ao fotógrafo se seus assistentes haviam almoçado ou comido alguma coisa, pelo menos. Para o meu espanto, revolta e indignação, ele respondeu: "Não, eles não precisam comer"; e caíram na gargalhada. Eu não sei o que me conteve, tamanha era minha raiva e vontade de destruir a cara daquele infeliz. Desse dia em diante, nenhuma pessoa seria maltratada na minha frente por esse motivo estúpido de pertencer a essa ou aquela casta!

Ainda pegando o exemplo acima, digamos que esses dois assistentes sejam "abençoados" pela oportunidade que têm de trabalhar, porque se fossem um dalit, suas situações seriam bem piores. Oras, se nem a água potável eles têm direito, quiçá a um trabalho como assistente de fotógrafo!

Os "sem-casta" hoje somam mais 300 milhões em toda a Índia. Não têm direito a nada: terra, casa própria, direitos humanos, emprego decente,... nem água potável. Em Mumbai, ocupam as calçadas e as favelas. Vivem de esmolas ou com os poucos trocados que ganham em troca de trabalhos humilhantes. Um exemplo de um trabalho comum exercido por um "sem-casta" é limpar as ruas que funcionam como banheiro público onde as pessoas defecam a céu aberto (um hábito normal entre eles). Antigamente, eles eram obrigados a usar "sininhos" no corpo para anunciar que estavam se aproximando e para as pessoas se afastarem. São evitados, pois nem suas sombras podem ser pisadas, caso contrário, quem pisar se torna impuro, segundo suas tradições. Aliás, o termo dalit significa "pisado, quebrado, oprimido" (e assim o são, literalmente).

Eles não têm acesso a templos e suas crianças são expulsas constantemente das salas de aula. Quando não, ficam com os piores lugares ou são obrigadas a assistir as aulas de costas. São considerados sub-humanos pela população e até por eles mesmos (pasmem!!!!), afinal, acreditam ser esse o seu carma (karma) - se faz o bem, recebe o bem; se faz o mal, recebe o mal. Esse é o princípio de karma, a lei da ação e reação. Acreditam que se nasceram dalits é porque fizeram por merecer em vidas passadas e caso se revoltem com a maneira como são tratados, nascerão "intocáveis" novamente na próxima vida. Ou seja, devem se submeter e acatar.

Solução? Nenhuma. Alguns se convertem ao Islamismo ou ao Cristianismo para, pelo menos, se enxergarem como pessoas comuns e dignas de uma vida mais respeitada. Mas isso não significa que terão mais oportunidades de trabalho ou melhores condições de vida, afinal, cada indivíduo que pertence a uma casta não pode migrar para outra e se assim o fizer, será expulso de sua casta e se tornará um "intocável" por gerações e gerações. Ah, não apenas a pessoa, mas toda sua família.

Cruel? Injusto? Espere só para ler o que diz o Vedas, o tal livro "sagrado":

"O homem que nasce alto se torna baixo pelas suas baixas associações, mas o que nasce baixo não se torna alto por meio de altas associações".


Durante várias vezes, me perguntei se a Índia estava parada no tempo. Isso porque apesar de ser uma das economias que mais cresce nos últimos anos e hoje a menos afetada pela recessão mundial, de desenvolver tecnologias e softwares para o mundo todo e ter o maior número de PHD's em informática depois dos EUA, eu ficava surpreso com a precariedade do transporte público, entre outras coisas que já citei nesse blog. Agora, depois de saber um pouquinho mais sobre esse sistema de exclusão, dessa espécie de apartheid mascarado, tenho certeza que a Índia caminha a passos vagarosos rumo ao futuro, a considerar o sistema de castas como base da sociedade indiana.

Meus pêsames!

6 comentários:

Thaís disse...

Primo, é incrível ler seus textos e tentar imaginar tantas exclusões, afinal, em um mundo tão diferente, infelizmente não é raro vermos tantos desafetos, principalmente seguindo casos religiosos.
Adoramos seu texto. Um enorme beijo Thaís, Luciano Yuri e Ygor.

Anônimo disse...

Tudo isso ninguém vê, ninguém faz nada, pois considera-se como a "cultura milenar de um povo". Mas eu pergunto: quem convive com todo esse costume preconceituoso e podre.
Por um mero lapso, assisti ao começo da novela das 20:00 da globo, a das índias... Me deu raiva só de ver o começo daquele lixo.
Acho tudo muito estranho... Enfim, louvemos a Cultura dos povos, ainda que seja ultrajante e humilhante para as pessoas.

André - Xis

Thaís C. J. Nogueira disse...

Primo!!! ontem tentei te deixar um recado, mas a net estava lenta, venho por meio deste comentário te dar os Parabéns pelo seu aniversário e desejar TUDO de melhor que uma pessoa possa receber. Um enorme beijo, saudades... Thaís.

coruja disse...

eita pato, agora q vi o comentario da sua prima lembrei q foi seu aniver. rs
parabéns!!!
rs
vergonha fdp. rs
pena q vc nao ta aki pra eu te dar aquele abraço!!!!

e sobre a india puts q merda hein eu tb nao posso ver alguem maltratando outra pessoa. sorte ai.
volta logo rs

michelle lee disse...

eh seu feio,infelizmente evolucao zero nessa India doida...

Unknown disse...

Muito bons seus textos,retratam fielmente sua experiência e me transporta imediatamente para os
momentos que você viveu.Li todos de uma só vez,e sabe que refletindo sobre isso tudo,me sinto mais sensível em relação a esta exclusão mascarada que você menciona, pois ela se encontra aqui também, talvez mais mascarada ainda...
O homem talvez tenha se perdido no caminho do que chamamos de evolução, e se tornou tão cruel que de certa forma está a beira da animalidade novamente.
Impossível passar por experiências deste tipo e continuar a mesma pessoa.Ver o contraste do mais belo e inacreditável com o mais imundo e desumano.
Sinto falta das conversas e da presença amiga.Feliz aniversário atrasado,e até breve espero!Beijos meus e do Jack!!!!!