terça-feira, 26 de maio de 2009

Seis meses depois...

Há exatos seis meses atrás, lembro-me do anúncio do comandante do meu vôo dizendo que já havíamos chegado em Mumbai, mas teríamos que ficar sobrevoando a cidade por alguns minutos até que o tráfego aéreo descongestionasse. Detalhe: eram duas da manhã de uma quarta-feira comum. Aquela ansiedade de não saber o que esperava por mim lá embaixo já me tomava conta por completo.

Como se fosse ontem, me recordo do aeroporto em reforma, a movimentação das mulheres vestidas em seus coloridos sáris e cheias de penduricalhos pelo corpo, dos muçulmanos barbudos em suas túnicas e até mesmo das crianças vestidas com calças e camisas sociais e chinelos. Sem me esquecer dos cabelos lambidos para trás ou divididos ao meio.

As ruas, em plena madrugada, estavam "vazias", apenas ocupadas pelos "autorickshaws" (os tradicionais riquixás) e pela infinidade de desabrigados que habitam as ruas de Mumbai. Poluição, ratos pra lá e pra cá, sujeira por todos os lados; parecia que a cidade estava abandonada ou que acabara de enfrentar uma guerra.

Ah, guerra! Cheguei bem no dia em que terroristas saíram metralhando as pessoas a esmo e invadiram hotéis de luxo, restaurante, templos, estação de trem... Quase duzentas pessoas foram assassinadas. Vivi o toque de recolher durante uns cinco dias apenas trancado dentro de casa, assim que cheguei, sem mal poder sair na rua pra comprar comida, afinal, era gringo, possível alvo daquele bando de loucos que estava à solta na cidade. Eu tinha acabado de enfrentar, aproximadamente, 30 horas de viagem, dormindo mal, lutando contra o fuso e não conseguia fechar os olhos para acompanhar o desenrolar dos fatos pelos telejornais locais. Fiquei apreensivo, com medo, com raiva. Que mundo novo era esse onde eu acabara de desembarcar?

Passado o susto, dei meus primeiros rolés pela cidade passando por barricadas montadas nas ruas de maneira improvisada, onde guardas apontavam seus fuzis já com o dedo no gatilho. Sim, estávamos em guerra!

Um tempo depois, não entendia se as ruas eram de terra em processo de recapeamento ou se eram asfaltadas em péssimas condições de uso, tamanha sua precariedade. Senti o cheiro dos incensos acesos como oferenda para seus deuses misturado com o odor de esgoto devido ao sistema (ou melhor, falta) de saneamento local. Tudo muito novo e contraditório para mim!

Assustei-me com o trânsito que mais me parecia um jogo de quebra-cabeças onde as ruas seria o tabuleiro e os transeuntes, carros, riquixás, motocicletas e animais sagrados, as peças. Aliás, se chegar aqui, é melhor se preparar para os congestionamentos caóticos onde as buzinas parecem mantras nas mãos dos indianos. E tente não se espantar se descobrir que aquele trânsito todo que te faz perder horas do seu dia parado dentro de um taxi quente, apertado e sem ar condicionado, foi por causa de uma vaca que decidiu tirar um cochilo no meio da rua, interrompendo a passagem de todos! Era muito para minha cabeça aceitar aquilo tudo.

Hipnotizado com tudo que via à minha volta, mas encantado ao mesmo tempo, assisti ao pôr-do-sol na praia que fica a dez minutos do meu apartamento. Ali, naquele momento, percebi que estava num lugar especial e me senti abençoado pela oportunidade. Quisera eu poder me banhar naquele mar se não fosse tão sujo!

Conheci Nova Déli, cidade que me levou para lugares incríveis, onde jamais imaginei pisar. Portais, templos, museus, minaretes,... e também me pareceu uma cidade mais limpa e (pouco) mais organizada, apesar da quantidade incrível de vacas e búfalos soltos pelas ruas. Ah, mas não menos barulhenta.

Choro de rir quando me lembro de um macaco aparecendo na janela da nossa cozinha enquanto cozinhávamos, quase nos matando de susto. Depois, até alimentamentos o bixano com bananas. Senti-me numa selva.

Por falar em cozinha, a comida daqui me fez queimar os olhos de tão apimentada, sem falar na forma como é manuseada, sem nenhuma higiene. A neurose na hora de cozinhar, em deixar tudo limpo, bem lavado e cozido é uma lei para aqueles que não querem ser vítimas de possíveis "desarranjos intestinais" num dos lugares mais sujos e poluído do mundo. Enquanto estava fora de casa, aprendi a comer rezando enquanto digeria aquela comida feita "sabe-se lá como" para não passar mal.

Falando em reza, a religiosidade desse lugar é impressionante. Não dá para entender como conseguem tocar suas vidas adiante com tanta fé que têm sendo tão judiados pela miséria como são. Apesar de todas as adversidades, se ajoelham diante de imagens sagradas (que estão em todos os lugares), acendem seus incensos e fazem oferendas fielmente, diariamente, incondicionalmente. É um verdadeiro aprendizado para os que reclamam de "barriga cheia".

Cheguei a Goa, berço da música eletrônica - psy e goatrance - de trem, depois de 14 horas viajando em condições, no mínimo, questionáveis. Lá, passei o melhor reveillon da minha vida, em paz, comendo e bebendo do bom e do melhor, agradecendo por cada momento que estava vivendo ali.

Claro que, em alguns momentos, eu me canso disso tudo, penso em voltar embora ou sair novamente pelo mundo afora. Aqui, num lugar tão diferente de todos os lugares que já passei em anos viajando, com uma cultura tão distante da minha, é comum ter o meu limite alcançado em algum momento. Mas acho que as coisas que já vi e vivi aqui já devem ter me acrescentado algo "diferente" na minha bagagem pessoal e vivo refletindo o que acho que mudou em mim nessa fase pós-Índia. Não, não estou falando da pimenta que hoje adiciono nas minhas refeições - um hábito que eu não tinha antes, mas de algo que vai além dos olhares comuns e ... talvez, seja difícil de explicar.

Mas, hoje, seis meses depois da minha chegada em terras indianas, me retiro de Mumbai rumo à Goa para uns dias de descanso e reflexão. Não estou me preocupando onde vou dormir, nem quem vai, muito menos quantos dias irei ficar. Apenas vou! E, sentado à beira-mar com a minha cerveja gelada fielmente ao meu lado, assistindo ao pôr-do-sol e admirando a imensidão do mar em uma praia deserta, espero encontrar as respostas que procuro, principalmente, se voltarei para Mumbai decidido a encarar novamente essa realidade ou se será a hora de partir.

Aos que ficam, que se mantenham bem, em paz, saudáveis e em segurança. E até a volta ;)

2 comentários:

Anônimo disse...

Querido, não preciso dizer que estou contigo né... Sempre!
Bjão.

pi..

JOANNES LEMOS disse...

Caramba, fiquei imaginando como eu ficaria tentando cozinhar na Índia, querendo deixar toda a louça lavada e o fogão limpinho. Sem falar que não ia querer comer na rua. Definitivamente é uma cultura muito diferente da nossa, mas tão rica quanto.